27 de maio de 2010

Da tribo para a maternidade

No dia do Índio, o Delas conta tradições do parto indígena
Fernanda Aranda

Foram poucas mulheres. Mas elas se destacaram no universo de duas mil gestantes que todo mês chegam ao Hospital Interlagos, no extremo sul da capital paulista. Em dois anos, só quatro índias deixaram suas tribos para dar à luz aos “seus curumins” nesta unidade.

Foto: Funasa
Mulheres indígenas têm tradições durante o parto

São elas que hoje, Dia do Índio, permitem aos médicos contar algumas curiosidades da maternidade indígena.

“Quando soubemos que o hospital seria referência para índias gestantes que corriam o risco de morrer no parto, precisamos nos informar de alguns rituais desta população para que a cultura do povo indígena fosse respeitada aqui dentro”, afirma a médica Regina Honda, que coordena a maternidade do Hospital Interlagos. “Caso contrário, elas poderiam rejeitar o atendimento médico e o perigo seria enorme.”

O Hospital Interlagos faz parte de uma rede nacional que tenta garantir a saúde dos índios. No total, afirma a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) – responsável por cuidar das políticas de saúde dos inídios – são 751 postos de saúde e 60 casas de apoio. Só em São Paulo, ao menos oito hospitais tradicionais abriram as portas para tentar preservar a tradição indígena.

Enterrar a placenta

Uma das principais ameaças para as tribos é a mortalidade infantil que no ano 2000 estava em 74,1 mortes para cada mil índios nascidos vivos, quase três vezes maior do que a população em geral (25) – que já é considerada alta para os padrões mundiais. O parto é um dos grandes riscos de morte para qualquer criança e aproximar a tradição indígena das unidades tradicionais, de fato, contribuiu para melhorar os indicadores de saúde dos índios. Em 2006, último ano avaliado, a mortalidade infantil indígena havia reduzido para 42 em mil nascidos vivos.

A primeira coisa que as equipes aprenderam foi com relação à placenta. O que para a mulher branca vai para o lixo, para a indígena é sagrado, conta a médica Regina Honda. Elas enterram a placenta, no local onde dormem, para que os recém-nascidos ganhem proteção e tenham um ciclo de vida melhor. Quem deu à luz no hospital tem direto de levar a placenta para a oca.

Sopa de galinha

No Hospital Interlagos, que recebeu índias da tribo Cururu, outra particularidade das gestantes é alimentação pós-parto. Elas só podem comer sopa de galinha para preservar a fertilidade e a saúde. O cardápio da unidade foi, então, adaptado às mães.

Pergunte ao pajé
Todas que chegaram à unidade tinham uma gestação de risco (hipertensão é o principal problema enfrentado pelas mulheres). Se as condições da gravidez estivessem adequadas, elas teriam os filhos nas aldeias, como manda a tradição. O combinado é que na maternidade tradicional elas podem levar um acompanhante e um intérprete, muitas não falam português. Se no decorrer do parto seja necessário algum procedimento extra (como transfusão de sangue), o pajé da tribo sempre é consultado.

Maternidade solitária
Apesar da liberação de dois acompanhantes (para as outras gestantes só é permitido um), a experiência com as mães índias mostrou que a “regalia” não é necessária. Pelas regras deles, elas precisam ficar sozinhas. Os pais só voltam no dia da alta.

Remédio natural

A Funasa acredita que não apenas as maternidades tradicionais devem reservar espaço para a cultura indígena como também é preciso incentivar a medicina indígena. No congresso do ano passado, o foco defendido foi o da etnomedicina, técnica sobre a produção de medicamentos naturais, por meio de plantas para o tratamento de doenças.

Os caciques que participaram do evento avaliavam que o regate dos medicamentos naturais e o incentivo da produção dos mesmos protegem a população das tribos. “A gente precisa resgatar esse conhecimento, pois não podemos depender só dos remédios dos brancos. Muitos problemas de saúde, como febre, diarreia e gripe, podem ser resolvidos na aldeia com nossas plantas, sem precisar ir pra cidade” afirmou Domingos Kaxinawá (de uma tribo no Acre), na última edição da revista da Funasa.

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